sexta-feira, 23 de abril de 2010

Consigo

Ali bate um peito cansado, de alguém com aquela sensação de que mais miragens o esperam pelo caminho. Esse medo de não conseguir, de não sorrir quando lhe atingirem em cheio, de rastejar e não ter forças suficientes para dar fim à própria dor, parece até mais estranho que a si mesmo. Sente que parte de si se foi e com ela seu medo. Cobre-se diariamente a face e escolhe qual olhar vai usar no dia seguinte, seu sorriso demonstra bondade, mas sua alma está cheia de mais amanhã.

Quando volta em casa para pegar fôlego, fecha a porta e os olhos. Abre-se para si enquanto indaga como o verbo pôde se suicidar dentro de si sem que houvesse uma só batalha. É ele, está no cansaço dele. Por mais que pense e queira lutar contra a morte que se fez dentro do próprio peito, volta a si antes que se canse mais. Então põe de volta os mesmos olhos daquele dia para não enxergar a cegueira que tem. A vida segue o ritual de seu voo, indo na direção oposta de uma visível queda livre e que, certamente, mais tarde o obrigará a fazer um pouso forçado em território desconhecido. É deste seu cansaço que provém o impedimento de deixá-lo ir até o desconhecido e com ele ir além.

Enquanto permanece parado num mundo de movimento, e abriga nas artérias a falta de pulsação, compreende que seu lugar no mundo está além do espaço que seu cansaço ocupa em seu próprio lugar. Naquela esperança de se reposicionar como próprio ser e se redefinir como propriedade sua, tudo o leva a encarar a própria morte. A sua dança no escuro finalizada num abraço ao desconhecido. O seu voo em direção ao chão, sem qualquer rastro de vento ou medo. Na busca de partir por inteiro o peito, e com ele o cansaço, que mais o sufoca do que lhe dá ar. O seu além, além de si. Morre para um peito cansado e, aos poucos, volta como um ser desconhecido até para si, dando passagem a um novo caminho, sem tantas miragens, sem tantos lugares, andando calmamente, levando na face um olhar estranho, um quase sorriso levado e a espantosa sensação de que este é um novo ser, dessa vez, incansável. Porque agora é ele, está nele. Consigo.