segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A Sós

Falta coragem para abrir os olhos desde que percebemos que o que acreditávamos ser liberdade era, na verdade, a mais pura dose de solidão. Ora nunca estivamos tão próximos e tão sozinhos ao mesmo tempo. Não surpreende o fato de compartilhamos não mais que apenas isso. O resto, que não nos machuca saber, nos matar sentir. Dessa pequena morte é que nosso olhar se fixa dentro de nós mesmos e toda ou qualquer liberdade de olhar para fora passa a ser nula. Está ali parada e nos cegando, enquanto tentamos, sem sucesso, pestanejar; está ali, dentro dos nossos olhos fechados e promessas de incisão, a minha, a sua, a nossa existência conectada na solidão.

Eu e você poderíamos sorrir já que não conseguimos encarar a realidade de olhos abertos. Ninguém é tão diferente de nós quando, dia após dia, não percebe que todos nós vivemos sob esse buraco na camada da realidade e que o espaço ao redor dele é que cobre a maior parte dos nossos dias. Poderíamos sorrir já que a felicidade não faz parte da nossa realidade, ou de verdade, poderíamos sorrir simplesmente porque com os olhos fechados, não conseguiríamos chorar. Abri-los à força, poderia então nos machucar, e sentir parte de nós se partindo em prol da realidade à frente na qual nunca enxergamos, à primeira vista, nos mataria.

Ainda assim, se conseguissemos manter os olhos bem abertos e pudessemos perceber quando estamos vivendo um momento marcante na nossa vida, veríamos que é quando durante cada segundo ali, olhamos para o relógio e desejamos que o tempo jamais passe, que enquanto está perto e entre nós a duração dure mais do que de costume, pois aquele momento jamais voltará a ser inédito para nós. Porque queremos manter o encantamento e ficar, para sempre, com aquela sensação de que cada segundo nos prende e surpreende o olhar, mesmo tendo passado a maior parte da vida de olhos fechados. A sós.



Último trecho inspirado na crítica de Matheus Pannebecker ao filme "Mr. Nobody": http://me.lt/3A4Mb 

10 comentários:

Luis Andrade disse...

Igor, você está completamente certo... É simplesmente horrível o sentimento de estar "sozinho na multidão". Mas o pior é que a tendência é de que as pessoas tornem-se cada vez mais introspectivas...

Anônimo disse...

Adorei seu texto, @igs.
Diz muito do que estou sentindo, e até indiquei pra um amigo que está reclamando de solidão :)

Seu texto tem uma sonoridade, uma rima, sem ser rima boba, mas uma brincadeira com as letras.

Mesmo se a palavra não prende, o som prende, emociona, gerando sonoridades parecidas. Great!

Igor Palhares disse...

Uma coisa é realmente intencional, mas acho que nao foi bem percebida:
o título é para associar com S.O.S.

WicCaesar disse...

E quando você pensava que se sairia muito melhor ser-humano bancando o eremita, mas acaba descobrindo que não conseguiria sem certo alguém?

Unknown disse...

Mto bom SEUS TEXTOS!! Blog simplesmente demais!! =D Parabéns!

Gabriel Leite disse...

Ai, terrível isso. Preciso começar a manter meus olhos mais abertos porque daqui a pouco tudo acaba. E não vai ser legal se descobrir um cego depois de morto, né?

Parabéns pelo texto.

Anônimo disse...

Como você mesmo me disse,eu estava e estou me sentindo assim.Queria dizer que com a leitura desse texto, me sinto mais viva, cada vez mais segura de mim mesma.Me sinto regenerada, como se eu soubesse que estivesse prestes a encarar um universo de obstáculos, mas com sede de passar por todos para no fim me lembrar de que estive presente nesta realidade que não se passou como uma ilusão.

Daniela Dias Ortega disse...

Decomposições? Não sei se entendi.
Você escreve bem.

Igor Palhares disse...

[De de- + compor.]
V. t. d.
1. Separar os elementos componentes; decompor uma palavra; decompor um número.
2. Dividir em partes para exame e estudo; analisar: decompor uma obra.

Obrigado!

nico disse...

olá..
Cada vez mais há pessoas sózinhas no meu da multidão, infelizmente ou talvez não se for por opção propria.
Esse filme deve ser muito interessante.
Um dia destes vi filme dentro do genero,de nome "Close" e gostei,são realidades que cada vez mais fazem parte.